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sempre priorizou hábitos saudáveis. Alimentação balanceada, caminhadas e
 aulas de dança faziam parte da sua rotina diária. Até ano passado, ela 
se orgulhava de não tomar nenhum remédio, "nem para controlar níveis de 
colesterol, muito menos para diabetes".
Mas as coisas mudaram depois de um breve relacionamento, o primeiro em 15 anos de viuvez, durante o qual Luiza contraiu HIV. Essa
 é uma história menos incomum do que parece. De acordo com dados do 
Ministério da Saúde, apesar de ter caído em quase todas as faixas 
etárias nos últimos dez anos, a taxa de detecção do vírus entre as 
mulheres apresentou um aumento de 24,8% no grupo com mais de 60 anos.
Em 2005, essas mulheres representavam 2,9% do total de pacientes diagnosticadas com HIV. Em 2015, eram 6,4%. Luiza
 conheceu Manoel, de 62 anos, em bailes e competições de dança para 
terceira idade. Também aposentado, ele tinha saído de um relacionamento 
muito longo quando os dois começaram a namorar. Mas a relação não 
engatou. Poucos meses depois do início, Luiza decidiu acabar o 
relacionamento. O porquê nem ela sabe.
"Talvez por não saber conviver com outra pessoa depois de tanto tempo sozinha. Ou talvez por não estar apaixonada." Mas com certeza o fim não foi pela recusa sistemática de Manoel em usar preservativo.
"O
 jovem que nasceu depois dos anos 80 já iniciou a sua vida sexual 
sabendo da existência e da necessidade da camisinha. Mas a pessoa acima 
dos 60 anos teve sua iniciação sexual e grande parte da sua vida ativa 
sem o preservativo. Então, para eles é muito mais difícil de se 
acostumar", analisa a psicóloga e gerente operacional do Departamento de
 DSTs/Aids da Paraíba, Ivoneide Lucena.
Viagra, aplicativos e menopausa
Os idosos hoje vivem uma vida muito mais ativa do que antes do surgimento da Aids. Por
 um lado, as drogas para disfunção erétil, como o Viagra, possibilitam 
uma vida sexual mais longa para o homem. Por outro lado, a mulher que já
 passou pela menopausa acredita que, por não correr riscos de uma 
gravidez indesejada, o uso da camisinha se torna desnecessário. Há ainda
 a popularização dos aplicativos de namoro, permitindo que pessoas se 
conheçam e se relacionem com mais facilidade.
A
 tudo isso, soma-se o fato de parte da população ainda acreditar que só 
são suscetíveis ao vírus aqueles que no passado eram conhecidos como 
"grupo de risco", ou seja, homossexuais, profissionais do sexo e 
viciados em drogas. Pensando assim, muita
 gente se expõe ao contágio, aumentando cada vez mais o número de 
heterossexuais soropositivos, por exemplo.
Dentre
 esses heterossexuais, a mulher está mais propensa à contaminação do 
HIV. O ginecologista Salviano Brito explica que isso se deve à anatomia:
 "A mucosa da vagina funciona como uma esponja, tornando mais fácil a 
contaminação de doenças, seja por vírus, bactéria ou fungo".
Ele lembra ainda que durante o ato sexual é comum acontecerem lesões no órgão, potencializando os riscos de contágio. Para
 Luiza, porém, nada disso era novidade, visto que ela havia trabalhado 
na área de saúde por décadas antes de se aposentar. Então, o que 
faltou? "Nada. Sobrou confiança. 
Fui casada por 32 anos e nunca tive outro relacionamento, nem antes e 
nem depois. Inocente, achei poderia confiar."
Diagnóstico
Pouco depois do fim do namoro, em meados de 2016, Luiza foi hospitalizada com desidratação, anemia e desnutrição. Ao
 fim de 20 dias, ainda debilitada, ela recebeu alta com o diagnóstico de
 depressão e gastrite. Nessas quase três semanas, a aposentada passou 
por inúmeros exames, menos o de HIV. "Nenhum médico pediu."
Um
 mês depois, para verificar se a anemia havia diminuído, Luiza voltou ao
 hospital. A filha dela, Carolina, de 35 anos, pediu que o teste de HIV 
fosse feito, mas "só por protocolo". Um 
dia depois de pegar o resultado, que deu positivo, e, ainda sem 
acreditar, Carolina recebeu um telefonema da irmã de Manoel, comunicando
 o falecimento do irmão. Durante a ligação, a ex-cunhada da mãe comentou
 que ele era soropositivo.
Carolina não
 tinha mais dúvida, Luiza havia sido contaminada pelo ex-namorado. 
"Minha mãe, com quase 70 anos de idade, HIV positivo. Aquilo era 
inacreditável! Precisei de três dias para conseguir conversar com ela", 
conta a filha, que tinha na reação da mãe sua maior preocupação.
Quando
 se recuperou do choque, Carolina decidiu conversar com a mãe, 
inicialmente sobre a notícia de que Manoel havia falecido e de que ele 
era soropositivo. "Eu entendi logo e pensei: HIV? Era só o que me faltava", relata Luiza. Carolina apenas confirmou com o resultado dos exames.
Recomeço
Mãe
 e filha passaram a lidar com a culpa. Da parte de Carolina, por não ter
 alertado Luiza sobre os riscos. Da parte de Luiza, por ter se deixado 
acreditar em um estranho. A família, então, foi em busca de informação - o dia a dia das duas passou a incluir médicos, remédios e terapias.
"Foi
 então que vimos que era mais comum do que imaginávamos", conta 
Carolina. "Nós até encontramos conhecidos nos corredores de postos de 
apoio, buscando comprimidos ou assistindo palestras. E, principalmente, 
muitos idosos", completa.
Mas o aumento dos 
diagnósticos de HIV na terceira idade existe e é bem maior do que se 
imagina. Segundo relatório divulgado recentemente pela OMS (Organização 
Mundial de Saúde), 40% de todas as pessoas contaminadas pelo vírus no 
mundo, cerca de 14 milhões, ainda não sabem.
"Para
 cada caso notificado, cerca de cinco continuam desconhecidos. Nós 
trabalhamos com dados que apontam a direção do problema, mas, na 
verdade, a abrangência da contaminação vai mais longe do que se tem 
conhecimento", alerta Ivoneide Lucena.
Desafios
Passados
 oito meses do diagnóstico, Luiza está tomando a medicação 
antiretroviral diariamente, assim como outras 18 milhões de pessoas em 
todo mundo. Ela comemora o fato de não ter tido nenhum efeito colateral e
 mais do que nunca mantém a rotina saudável.
Essa
 disciplina, segundo o infectologista Tarquino Erastides, é peculiar à 
idade. "Mesmo com HIV positivo, os jovens pensam que são imortais. Os 
idosos já perderam essa ilusão. Mais do que viver, eles querem 
sobreviver." Hoje, o maior desafio de 
Luiza, e de tantas outras idosas, é superar o estigma de que o HIV é uma
 sentença de morte. Para isso, o atendimento psicológico é fundamental.
"O
 mundo feminino, principalmente nessa idade, convive pouco com a 
liberdade sexual. Ao se depararem com um diagnóstico positivo, as idosas
 se sentem culpadas e imediatamente se vinculam à imagem de tragédia, 
que caracterizou o descobrimento do vírus nos anos 80", afirma a 
psicóloga Maria Teresa Goyatá, que acompanha o tratamento de Luiza em um
 Centro de Referência em HIV/Aids, em Brasília.
Segundo
 ela, após alguns meses de tratamento, a saúde melhora consideravelmente
 e elas percebem que é possível ter uma vida normal sendo soropositivo. 
Investir na autoestima e na resiliência da paciente é a parte seguinte 
da estratégia.
"Por mais que a equipe médica ajude, se a idosa não reagir e assumir as reponsabilidades, o HIV se torna uma doença fatal." Luiza
 preferiu não dizer o nome real ou ser fotografada - por isso, sua filha
 e o ex-namorado também receberam nomes fictícios nesta reportagem. "Só 
quero alertar as outras mulheres e ficar em paz."
 
 
 
 
 
 
 
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