Crianças são naturalizadas em venda de acarajé e baianas são resistentes à conscientização

A cena de crianças comercializando acarajé nas praias de Salvador sempre foi frequente. Esse “auxílio”, geralmente prestado pelos filhos, às baianas não é novo: a questão é cultural e vem desde o início da profissão. O problema é que o ato é ilegal e é configurado como trabalho infantil, passível de multa no valor de R$ 450 reais por criança.

Na semana em que o Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil é celebrado, a Bahia ainda carece de mobilizações para exterminar a naturalização do trabalho de crianças com as baianas de acarajé. A Superintendência Regional do Trabalho na Bahia (SRT-BA) está promovendo encontros com as profissionais em diversos bairros e municípios baianos.

O encontro é para conscientizá-las sobre os malefícios que o trabalho infantil causa na vida das crianças e adolescentes. A ação conta com o apoio do Ministério Público da Bahia (MP-BA), da Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres, Infância e Juventude (SPMJ) e da Associação Nacional das Baianas de Acarajé (Abam). Os encontros já foram realizados em Itapuã, Paripe, Vera Cruz, Cajazeiras e Cidade Baixa, registrando uma baixa adesão das baianas.

Na Bahia 241 mil crianças e adolescentes trabalham irregularmente; só em Salvador e Região Metropolitana são 77 mil. Para o coordenador do projeto de Fiscalização de Combate ao Trabalho Infantil da SRT/BA, Antônio Inocêncio, as baianas são resistentes às mudanças e afirmam que as alterações atingem a tradição da profissão.

“Nós precisamos desconstruir essa ideia de que o trabalho infantil é importante para a dignidade da pessoa, tira do mundo das drogas. É necessária uma conscientização para que não haja uma naturalização do trabalho infantil. É uma coisa cultural e as baianas precisam entender que a tradição será mantida mesmo sem o trabalho precoce. O trabalho pode ser passado sem que a criança seja submetida a situações de risco”, argumentou.

Em apenas um dia de fiscalização nas praias de Itapuã e Piatã, realizada no dia 7 de abril, cinco baianas foram notificadas, uma foi autuada e diversas foram orientadas. De acordo com Inocêncio, as fiscalizações devem acontecer com maior frequência para que as baianas entendam que o trabalho infantil “não é aceitável”.

A presidente da Abam, Rita Santos, conta que também era irredutível à mudança no início, e que só percebeu que algo poderia estar errado ao perceber que as crianças andam até 2 km com a bandeja na cabeça vendendo acarajé.

“Essa criança pode encontrar várias coisas pela frente: pedófilo, ladrão, traficante. Tudo pode acontecer e ela está vulnerável. Fora o contato com faca, óleo quente e outros objetos que são perigosos”, afirmou Rita. Ela conta que as filhas delas também trabalharam aos 13 anos a auxiliando a vender acarajé em Patamares.

“Mesmo sendo irregular, antigamente as crianças não saiam mercando. Tinha o ponto e ninguém invadia o ponto da outra. Agora as meninas andam 2 km sozinhas na praia. Antigamente elas não saiam de perto. Hoje em dia tem até disputa entre as baianas, principalmente na Praia do Flamengo e em Stella Maris”, contou.

Rita disse que para conseguir a adesão das baianas está falando da questão pelo lado financeiro. “Eu disse que isso ia afetar o bolso delas. Porque a multa é de R$ 450 por criança e tem baiana que leva logo quatro pra trabalhar”, disse. As reuniões estão programadas para serem realizadas em 10 prefeituras-bairros de Salvador além de outros municípios que possuem orla, como Camaçari, Candeias, Lauro de Freitas, Madre de Deus, Itaparica e Mar Grande.

Para a secretária de Políticas para Mulheres, Infância e Juventude – SPMJ, Taíssa Gama, é importante uma conscientização antes da multa. “Diversos casos estão sendo identificados pelos órgãos responsáveis. Conscientizar as baianas de que isso é errado é uma necessidade. Há o perigo de queimadura, assédio sexual, sem contar com o cansaço das crianças, que acabam perdendo o foco na escola”, ressaltou.

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