Após sete meses de pandemia, não há notícia de que algum país tenha declarado oficialmente que tornará obrigatória a aguardada vacina contra o coronavírus, que está sendo desenvolvida por 137 fabricantes.
Por ora, em boa parte dos lugares, a discussão sobre uma eventual obrigatoriedade da imunização tem sido vaga, especulativa e conceitual —o que pode, obviamente, mudar quando a vacina estiver disponível.
O primeiro-ministro da Austrália, Scott Morrison, foi o que chegou mais perto: ainda em agosto, ele chegou a dizer que faria a vacina “ser tão obrigatória quanto possível”. Mas voltou atrás horas depois, diante de uma torrente de reações negativas por parte da população.
Os vizinhos da Nova Zelândia fizeram circular uma informação de que a imunização seria imposta no país, mas a primeira-ministra, Jacinda Ardern, correu para confirmar que tratava-se de fake news.
Na Malásia, a imprensa especulou que o governo tornaria a vacina obrigatória, mas o ministro da saúde desconversou em mais de uma ocasião quando foi perguntado sobre isso.
Mesmo na Rússia, onde a Sputnik-V já está sendo distribuída, a vacina é obrigatória apenas para os militares. Também em agosto, enquanto o imunizante ainda estava em fase de testes, o governo de Vladimir Putin pressionou professores e médicos a serem imunizados, visando preparar as escolas para a reabertura no início de setembro.
Um sindicato de professores, no entanto, fez campanha contra a coação, levantando 1.400 assinaturas em um abaixo-assinado.
O próprio Putin foi vacinado e ofereceu imunização gratuita aos funcionários da Organização das Nações Unidas em seu discurso na Assembleia Geral da entidade, em setembro.
No país mais atingido pela crise sanitária no mundo, em que o presidente Donald Trump promete que vacina está disponível nas próximas semanas, tomá-la ou não também deverá ser uma decisão pessoal —não há leis federais nos EUA que obriguem ninguém a se vacinar, e uma eventual obrigatoriedade nacional ficaria a critério do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças).
Alguns estados americanos, no entanto, exigem que sejam vacinados contra doenças transmissíveis as crianças em idade escolar, os profissionais de saúde e os pacientes e residentes em instalações de saúde.
No Brasil, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), chegou a decretar que a vacinação contra o coronavírus no estado seria obrigatória. Três dias depois, no entanto, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse a apoiadores que a vacina “não será obrigatória e ponto final”.
Os principais países da Europa também não devem tornar compulsória uma futura vacina contra a Covid-19, segundo as autoridades de saúde. A maioria deles adota como política recomendação e campanhas de informação para que cada cidadão tome sua decisão. Em alguns, a lei não permite vacinação obrigatória.
A Alemanha, que tem a maior população da União Europeia —82,2 milhões de habitantes—, não adota vacina obrigatórias.
Segundo o Ministério da Saúde, o Comitê Permanente de Vacinação do Instituto Robert Koch está discutindo que categorias serão vacinadas primeiro, e em que ordem.
O país, que tem o mais amplo e um dos melhores sistemas hospitalares da União Europeia, registra também um desempenho melhor que o dos vizinhos no combate à Covid-19.
Desde o começo da pandemia, foram 119 mortos por 1 milhão de habitantes, enquanto a França tem 508, a Itália 610, o Reino Unido, 663 e a Espanha, 732 mortos por 1 milhão de habitantes.
O Reino Unido, segundo país europeu mais populoso, com 66,7 milhões e habitantes, também não adota a vacinação obrigatória. “A ciência deixa claro que as vacinas salvam milhões de vidas e previnem inúmeros casos de doenças, mas operamos pelo sistema de consentimento informado”, afirmou o governo britânico.
Segundo o Departamento de Saúde e Assistência Social, “é responsabilidade de todos buscar orientação do sistema público de saúde para obter informações corretas e fazer sua escolha”.
O governo disse que, para isso, fornece orientações clínicas sobre todas as vacinas, destacando para quem são adequadas e quais as contra-indicações. “O histórico clínico de um indivíduo e as circunstâncias pessoais são levados em consideração antes de qualquer vacina ser oferecida”, disse o departamento.
Na França, a Alta Autoridade de Saúde publicou em julho recomendações para a futura vacinação contra Covid-19, que projeta quatro cenários possíveis.
Em todos eles, os profissionais de saúde e serviço social, idosos e outras pessoas com maior risco de desenvolver formas grave da doença, que levam a hospitalização e morte, serão prioritárias quando houver uma vacina.
Com 63,8 milhões de habitantes, segunda maior população da União Europeia, a França é um dos poucos integrantes do bloco que exige a aplicação de algumas vacinas, de acordo com levantamento da ECDC (agência europeia de doenças transmissíveis).
Dentre os maiores membros da UE, a França é o único em que é compulsória a vacina contra pneumonia (peumoccocus) em crianças. Dos 27 países da União Europeia, só 7 adotam essa regra.
Nenhum dos grandes países obriga a vacinação contra gripe.
Mesmo em casos de vacinas comprovadas contra doenças que podem matar crianças, como sarampo, a maioria dos governos europeus prefere a recomendação incisiva e campanhas de informação.
Optam pela obrigatoriedade a Itália e a França, que, no entanto, diz que ainda é prematuro para discutir qual será a exigência em relação ao coronavírus.
Qualquer decisão sobre vacinação, segundo o governo francês, “será baseada em dados científicos de ensaios clínicos”.
Itália, em que algumas vacinas infantis são exigidas, e Espanha não informaram sobre seus planos para a imunização contra a Covid-19.
Já em Portugal, a atual legislação não permite vacinas obrigatórias. O princípio, previsto na Lei de Bases da Saúde e no Código Penal, é o do “consentimento informado”: cada cidadão tem a palavra final sobre o que entra no seu corpo.
Em agosto, a Diretoria-Geral da Saúde portuguesa havia levantado a possibilidade de vacinação compulsória como uma exceção num momento de pandemia, mas, segundo advogados do país, isso requer autorização do Legislativo.
Segundo o Ministério da Saúde, a agência nacional de medicamentos deve definir quem receberá as primeiras doses, quando um imunizante estiver disponível.
De acordo com a União Europeia, 12 dos 30 países do bloco e do Espaço Econômico Europeu exigem a vacinação de crianças contra algumas doenças, embora a lista varie.
Há membros com altas taxas de cobertura tanto entre os de vacinação voluntária quanto nos de compulsória. O melhor modelo, segundo a UE, depende de fatores como seus sistemas de saúde, sistemas jurídicos e normas culturais.
Entre as políticas de incentivo adotadas estão campanhas de conscientização, recompensas financeiras para pais ou profissionais de saúde e sanções financeiras ou negação de entrada na escola ou no jardim de infância para os que não se vacinaram, mesmo nos países com imunização voluntária.
A Organização Mundial da Saúde afirmou que prefere “demonstrar o benefício e a segurança das vacinas, para sua maior aceitação possível, em vez de impor requisitos obrigatórios”.
Robin Nandy, chefe de Imunização do Unicef (agência da ONU para a infância) também considera inadequado relacionar vacinação compulsória a um aumento da cobertura vacinal.
Em crítica a pesquisa publicada na revista da Academia Americana de Pediatria, ele afirma que boas campanhas são o principal fator para as altas taxas de vacinação.
Mesmo em países como a Hungria, que prevê multas para a abstenção, o sucesso da imunização se deve a “enfermeiros pediátricos fazem visitas domiciliares aos novos pais, mantêm os filhos registrados e acompanham sua vacinação”, escreve Nandy.
“Em nossa opinião, a vacinação obrigatória é uma política que não avalia nem procura aliviar as causas profundas da baixa cobertura vacinal”, diz o diretor.
Documento da União Europeia observa também que multas e regras surtem pouco efeito sobre cidadãos que relutam em se vacinar: antivaxxers preferem pagar multas a seguir as recomendações.
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