
A região sudoeste da Bahia registra cerca de 60%
dos casos de epidermólise bolhosa hereditária, uma doença rara e grave
que se caracteriza por uma sensibilidade acentuada na pele e na mucosa,
com formação de bolhas. Os dados são apontados pela Associação de
Familiares, Amigos e Portadores de Epidermólise Bolhosa da Bahia
(Afapeb).
A entidade contabilizou 62 casos no estado e 36 deles em cidades do sudoeste baiano. O
registro acentuado na região motivou um estudo na Universidade Estadual
da Bahia (Uesb), por meio do Núcleo de Estudos e Atendimento
Multidisciplinar aos Portadores de Epidermólise Bolhosa Congênita do
Sudoeste da Bahia. A pesquisa aponta que o número de casos da doença hereditária pode ser resultado de uniões consanguíneas [entre parentes].
A geneticista e professora da Uesb Sandra Mara Bispo levantou dados de familiares de pessoas com a condição rara. “Estamos
levantando dados da família, para fazer histórico genealógico. A gente
acaba aceitando a hipótese de que seria por casamento consanguíneo. Dos
relatos iniciais, temos 60% dos casos por uniões consanguíneas. Tinha
gente que era casado com primo com casos [de epidermólise] na família e
não sabia. Muitos deles não sabiam que tinha parentesco”, explica Sandra
Mara.
Os casos no sudoeste estão
concentrados nas cidades de Barra da Estiva e Vitória da Conquista. A
associação acompanha dez pessoas com a doença em Barra da Estiva, cidade
com população estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), no ano passado, em 22.394 habitantes. Já em
Conquista - que tem população estimada em 343.230 habitantes - são sete
casos da doença rara. Procurada pelo G1, a Secretaria de Saúde do Estado
da Bahia (Sesab) informou não ter o levantamento de pessoas
diagnosticadas com a doença.
O estudo na Uesb
existe desde 2012, como projeto de extensão da universidade, e virou o
núcleo em 2013. O grupo é coordenado pela dermatologista e professora da
instituição, Maria Esther Ventin. O núcleo oferece diagnóstico e
acompanhamento da doença, por meio de uma equipe de saúde
multidisciplinar, formada por especialidades como dermatologia,
gastroenterologia, odontopediatria e oftalmologia.

Diretora
da Afapeb na região sudoeste, Adriana Alves é mãe de Paulo Henrique, de
9 anos. Ela conta que mantém dedicação exclusiva para conseguir dar uma
vida normal ao filho, mesmo com as dores que ele sente por conta das
feridas na pele. Ela mora em Vitória da Conquista.
“É
uma vida difícil. Porque ele tem uma mente livre, cheia de anseios e um
corpo limitado, isso machuca, além do sofrimento ser maior. Essa é mais
difícil de cicatrizar, além do preconceito das pessoas. É difícil de
conviver com as dores diariamente. Desde o primeiro minuto de vida dele
ele está sentindo dor. Mas eu tento dar a meu filho o máximo que puder
de uma vida normal”, conta.
Paulo Henrique é
apaixonado por futebol, frequenta a escola regularmente e consegue
acompanhar a turma. No entanto, o menino tem dificuldades para andar e,
por não poder se esticar para evitar ferimentos, acaba com o corpo
encolhido.
“Tenho cuidados como fazer
curativos e dar banhos. Como perde sangue, tem que tomar suplemento com
ferro e Vitamina C. Tem que limpar bastante os dentes. O cuidado é
complicadíssimo. A gente trabalhar fora é complicado. A dedicação tem
que ser exclusiva”, afirma.
Adriana diz que
precisa encontrar ânimo e até novas formas de expressar carinho ao
filho, já que precisa evitar até mesmo dar beijos e abraços, que podem
machucar a criança com sensibilidade na pele. “Temos que ter fé e não
pode desanimar. Independentemente de poder abraçar e beijar. Digo às
mães que deem amor e carinho e brinquem, tenha esse contato”, diz.

Apesar de não
apresentar muitas bolhas no corpo, o garoto desenvolveu atrofia nos
dedos do pé. O menino precisa de cuidado diário, para troca de
curativos, banho e tomar suplementos vitamínicos. A família tenta, por
meio judicial, garantir que a Secretaria de Saúde do Estado (Sesab),
conceda suplementos necessários para a criança. “Hoje a despesa chega a
uns R$ 800, só de suplemento, porque ele precisa tomar diariamente",
afirma. Além do filho, Cristiano conta que tem dois primos com a
epidermólise bolhosa.

Também
mãe de um garoto que tem a doença, Lindamar ressalta que os cuidados de
uma criança com epidermólise desde cedo contribuem para a melhoria na
qualidade de vida. O filho dela, Luis Lima Júnior, tem 17 anos, estuda
no primeiro ano do Ensino Médio, e é acompanhado por especialistas desde
as primeiras 48 horas de vida.
“Amamentei ele
durante um ano. Ele fez tratamento com pediatria e nutricionista. A
qualidade de vida dele é boa. Ele é a prova de quando a gente começa o
tratamento cedo consegue viver”, ensina.
Epidermólise bolhosa
A
dermatologista Maria Esther detalha que a epidermólise bolhosa é uma
doença genética, ainda sem cura, causada por uma alteração na síntese de
proteínas que unem as camadas da pele. Por conta disso, as camadas se
separam facilmente, sob qualquer pressão ou atrito. Entre os principais
cuidados para quem tem a doença, estão os curativos. A formação de
bolhas na pele torna as pessoas muito suscetíveis a complicações, como
infecções.
A doença rara também causa
problemas na absorção de alimentos, o que leva à necessidade de tomar
suplementos vitamínicos. “Porque é um defeito no epitélio de
revestimento e também no revestimento no aparelho digestório. O alimento
passando pelo intestino também faz descolamento do epitélio e tem
dificuldade na absorção”, explica. As lesões no estômago podem causar
morte dos pacientes.
A doença também causa
deformidades nas extremidades do corpo, como os dedos das mãos,
originadas pelos traumas sucessivos na pele. “É como uma queimadura e
quando cicatriza, cola um dedo ao outro”, compara a especialista. Ela
afirma que a depender do tratamento que o paciente recebe, pode vir a
não chegar à idade adulta. "É um prognóstico reservado. Depende do
cuidado, mas temos pacientes adultos", explica.
A
dermatologista diz que o tratamento pode devolver qualidade de vida aos
pacientes. "Desde que o núcleo foi implantado [na Uesb], a gente vê as
crianças melhor orientadas. Há controle maior, não chegam com infecção
na pele, ganham peso e frequentam escola", esclarece.
A
especialista pontua que, desde que o núcleo existe na universidade,
registrou aumento no número de casos da doença, mas acredita que não
houve aumento na incidência. "Acho que sempre existiram [casos] e
ficavam isolados. Como tem o núcleo, tem aparecido casos. Temos mais de
40 pessoas que acompanhamos, alguns adultos já", explica.
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