Desde que o Brasil entrou oficialmente em recessão, em 2014, o
desalento — quando o trabalhador desiste de procurar emprego
simplesmente por achar que não vai mais conseguir encontrar uma vaga —
subiu a pirâmide social. O número de trabalhadores com maior nível de
escolaridade que entrou nessa categoria aumentou exponencialmente. No
terceiro trimestre do ano passado, o total de pessoas que estudaram por
dez anos ou mais (que é o equivalente a ter ao menos iniciado do o
ensino médio) e tinham parado de buscar trabalho era de 1,66 milhão, de
acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad)
Contínua.
No terceiro trimestre de 2014, esse número era de 394
mil pessoas. Isso quer dizer que mais de 1,27 milhão de trabalhadores
bem qualificados, em plena idade produtiva, caíram no desalento de 2014
até setembro do ano passado, pelos números da pesquisa do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), compilados pela
consultoria IDados.
Em 2012, o primeiro ano da Pnad, os
trabalhadores com maior formação eram 26% dos desalentados. Agora, eles
já chegam a 35%. O porcentual de brasileiros mais escolarizados que
desistiram de buscar um emprego começou a crescer em 2015 e avançou sete
pontos porcentuais em apenas três anos. Segundo especialistas, esse
movimento é ruim porque indica que mesmo as pessoas com maior
qualificação estão pessimistas com o mercado de trabalho.
Um dos
motivos para esse desânimo é que, na saída da recessão, as vagas de
emprego criadas são, em sua maioria, de baixa remuneração, muitas vezes
informais — foi isso que sustentou a pequena queda da taxa de desemprego
no ano passado. Puxada exatamente pelo aumento da informalidade, a
desocupação caiu de 13,1%, no início do ano, para 11,6%, no fim de
dezembro.
Padrão
Além disso, como esses
trabalhadores que acumularam anos de estudo tinham salários maiores
antes do desemprego, quando o desalento chega a esse grupo, a renda
familiar é mais prejudicada, analisa Bruno Ottoni, da IDados. “São
pessoas mais qualificadas e com um padrão de vida melhor, que desistiram
em algum momento de procurar emprego.” Por estarem em uma situação mais
frágil no mercado de trabalho, ganharem menos e estarem mais sujeitos a
perder o emprego, os brasileiros com menor formação ainda são a maioria
em situação de desalento, mas a presença deles entre os que desanimaram
de procurar uma vaga caiu de 73%, no terceiro trimestre de 2014, para
65% no terceiro trimestre do ano passado.
“Cansei de esperar o
mercado melhorar”, resume a engenheira Adriana Mello, de 28 anos.
“Parece que agora está mais fácil de arrumar um emprego, mas só parece.
Não voltei a procurar o dia inteiro, como fazia antes, porque as vagas
que aparecem têm remuneração de R$ 3 mil, quando o piso é três vezes
mais. Querem que você tenha as mesmas responsabilidades de antes, sem
ganhar o suficiente.”
Desde que Adriana perdeu o emprego, em maio
do ano passado, ela passou a usar o tempo livre para fazer cursos e
melhorar o inglês. Mas as contas, que eram divididas com o marido, pesam
mais. “De 2015 para cá, o mercado piorou. Quem ganhava R$ 7 mil, agora
topa ganhar R$ 3 mil. E quem pode esperar, aproveita para voltar ao
mercado com mais formação.”
Na avaliação de especialistas, o
número de desalentados — os trabalhadores que pararam de buscar emprego
por um tempo — com maior formação deve cair lentamente, já que, na saída
da crise, as vagas que têm surgido são de remuneração mais baixa. O
desalentado é o brasileiro que gostaria de estar trabalhando, mas não
tem incentivo para procurar trabalho por um período, seja pela
dificuldade em se recolocar no mercado de trabalho ou porque as
oportunidades que aparecem agora não são atrativas e ele pode esperar
que as coisas melhorem. “Ele faz parte da força de trabalho potencial”,
explica o economista Bruno Ottoni, pesquisador da consultoria IDados.
“Em
geral, o desalento cresce em um mercado de trabalho que não está
funcionando direito. E na saída da crise, o número de pessoas nessa
situação cresce porque as poucas vagas que reapareceram no mercado agora
pagam pouco.” Ele lembra que o trabalhador, muitas vezes, acaba
preferindo ficar em casa ou começar a fazer algum curso, fica mais ou
menos em um compasso de espera até que surjam oportunidades.
“O
também engenheiro Diogo Dutra da Silva, de 29 anos, está fora do mercado
de trabalho desde a conclusão das obras de um edifício na zona leste de
São Paulo, em 2017. “Trabalhava em uma construtora que viu as obras
rarearem durante a crise. Em 2015, começou a diminuir a quantidade de
projetos e o número de funcionários da empresa. Quando o prédio ficou
pronto, perdi o emprego.”
Ele concorda que as vagas que surgiram
entre o ano passado e o início de 2019 têm remuneração baixa demais, a
ponto de compensar esperar mais um pouco. “Sempre fui de gastar pouco e
durante o período de emprego farto, guardei dinheiro. Essa poupança me
ajuda agora a não precisar aceitar qualquer vaga que for aparecendo”,
diz.
Baixa expectativa
Na semana passada, o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que os
brasileiros que caíram no desalento atingiram média de 4,736 milhões —
13,4% acima de 2017. Nessa conta, entram os que se achavam jovens ou
idosos demais, pouco experientes ou acreditavam que não encontrariam uma
boa oportunidade de trabalho.”Tem gente que já consegue encontrar o
trabalho com carteira assinada mais facilmente do que há alguns meses,
mas as condições nem sempre são boas. Se a pessoa pode esperar mais um
pouco para conseguir um emprego mais próximo de suas expectativas, ela
acaba se virando, conta com as economias ou ajuda de parentes e espera”,
concorda o economista da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas
(Fipe) Eduardo Zylberstajn.
A expectativa do economista do Insper
Renan de Pieri é de que o país gere mais empregos este ano do que em
2018, quando o desemprego cedeu apenas timidamente, e fechou o último
trimestre em 11,6% — ante 13,1% do início do ano passado. “Mas a
reinserção dessas pessoas no mercado de trabalho não vai ocorrer
rapidamente. O Brasil formou um exército de desalentados, quando o
mercado melhorar, eles vão voltar a procurar por emprego e precisarão
ser reabsorvidos”, diz. (Informações da Época Negócios) Foto: Agência
Brasil
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