O risco de desabamento de um casarão antigo no
centro de Cachoeira, cidade histórica a cerca de 120km de Salvador, no
Recôncavo Baiano, está tirando o sono da família do funcionário público
Cláudio de Carvalho Barbosa, de 47 anos. Ele mora há 11 anos bem próximo
ao imóvel de dois andares, com sótão, que está abandonado, com
rachaduras, janelas quebradas e cheio de problemas de infraestrutura.
O
imóvel pode ruir a qualquer momento, conforme apontou parecer técnico
de um engenheiro. A casa onde Cláudio vive com a mulher e as duas
filhas, de 16 e 19 anos, tem quatro quartos distribuídos em dois
andares, e pode ser atingida por estrutura da parte mais alta do
casarão, caso ele desabe. A mulher de Cláudio, a psicóloga Sônia Rocha, de 43 anos, conta que não dorme em noites de chuva, temendo uma tragédia.
O casal também precisou mudar uma das filhas de quarto, pois o cômodo dela fica muito próximo à parede mais alta do casarão. Diante
do perigo, Cláudio procurou órgãos públicos para tentar uma solução
para a fragilidade na estrutura do casarão. Ele foi à Prefeitura de
Cachoeira, buscou o Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan)
no município e também o Ministério Público. “Eu quero deixar claro que
tem vidas em jogo. Estamos primando pela vida”, explica.
A
Secretaria de Obras e do Meio Ambiente de Cachoeira emitiu um parecer
técnico no ano passado onde condenou o casarão. Segundo Cláudio, o
imóvel foi interditado pelo Iphan após parecer da prefeitura, em 2016,
mas ele e a família continuam convivendo com o risco do desabamento.
Este ano, com a mudança da gestão municipal, um novo parecer já foi
elaborado pela mesma pasta, que ainda identifica o problema de
infraestrutura no local. De acordo com o secretário de Obras e Meio
Ambiente, Edgar Moura, a família dona do casarão foi acionada para uma
reunião prevista para esta quinta-feira (25), onde devem definir o
destino do imóvel antigo.
Por meio de nota, o
Iphan esclareceu que o casarão não possui tombamento individual, e que
ele é parte do conjunto tombado pelo Iphan em 1971, quando a cidade de
Cachoeira recebeu o título de “Monumento Nacional”, por conta da riqueza
arquitetônica que inclui o casario barroco.
O
Iphan disse ainda que já notificou os proprietários do casarão, com
auto de infração e, até o momento, não foi apresentado qualquer atestado
que comprove que eles não têm condições financeiras de restaurar o
imóvel para justificar a degradação do bem e o abandono. O G1 tentou,
mas não conseguiu falar com os donos do imóvel.
O
funcionário público procurou o Ministério Público do Estado (MP-BA) no
ano passado, que entendeu a situação como algo individual e que o órgão,
voltado para interesses públicos, não possuía atribuição para atuar no
caso. Cláudio conta que poderia recorrer do indeferimento em três dias,
mas acabou deixando o caso de lado no âmbito do MP.
Abandono, descaso e riscos
Enquanto
a situação não é resolvida, o funcionário público continua na própria
casa e o imóvel vizinho segue com risco de desmoronar. Cláudio já ficava
apreensivo com a possibilidade de desabamento do casarão desde 2015, e
isso se intensificou quando, no mesmo ano, parte da lateral da parede do
imóvel caiu, mas não atingiu ninguém.
Na
época, a estrutura já sofria com muitas rachaduras, infiltrações e
péssima infraestrutura. “Foi um estrondo, todo mundo saiu correndo para
ver o que era. Entramos lá para tirar o morador, mas ele disse que não
iria sair. Depois, ele chamou uns pedreiros que colocaram blocos e
ajeitaram só a parte que caiu”, relatou.
Mesmo
com o casarão em ruínas, o antigo dono aproveitou até um terreno
próprio, ao lado, onde ergueu um arco e colocou um portão, transformando
o espaço em uma garagem. "Quando ele [o dono do casarão] ainda estava
vivo, cobrava para os carros parassem aí, um tipo de estacionamento.
Quando ele morreu, os familiares dele pediram que todos tirassem os
carros", contou. Conforme o funcionário público, em 2016, o único morador do casarão faleceu e a preocupação dele com o imóvel antigo aumentou.
“Quando
ele ainda era vivo, a gente já se preocupava porque a casa já estava
velha, mal cuidada e ainda teve o episódio da queda da parede. Depois
que ele morreu, a última esposa dele voltou aí [no casarão] para pegar
uns objetos pessoais e disse que estava com medo de entrar sozinha [no
imóvel]. Então, ela me pediu para entrar na casa com ela. Quando vi a
situação, aí fiquei ainda mais angustiado. Também fiquei impressionado
com as rachaduras, vi fendas de quase dois centímetros entre a parede e a
fachada da casa. O piso é de madeira, já estava desnivelado e a casa
estava muito degradada”, revelou.
Sônia Rocha,
a mulher de Cláudio, relata que fica acordada nas noites de chuva,
apreensiva e preocupada que algo, que eles tanto temem, se concretize.
Disse ainda que ela e o marido decidiram tirar uma das filhas do quarto
onde dormia, pois, em caso de desabamento do casarão, os destroços podem
atingir em cheio o quarto da jovem. Agora, a filha do casal dorme com a
irmã mais nova, em um quarto na parte térrea da casa.
Apesar
da residência do funcionário público ser separada do casarão por apenas
uma casa, que também está abandonada, ele acredita que não está a salvo
de uma tragédia. “Mesmo com essa casa aí do lado, se essa parede do
casarão ceder, a cumeeira vem direto no quarto da minha filha. Como meu
quarto é mais para o fundo e fica lado a lado com a parede mais baixa do
casarão, eu acho que não alcança nosso quarto e a gente fica
resguardado. E no andar de baixo, acredito que se cair algo vai ser em
cima da laje, o que pode segurar um pouco [a estrutura da casa] para que
as meninas, consigam sair de casa”, conta.
Segundo
Cláudio, a pessoa que morava na casa que está abandonada, e que fica
entre o casarão e o imóvel dele, faleceu. “Esse imóvel aí a gente
considera abandonado também. Os familiares da senhora que morava aí
também ficavam preocupados com o desabamento do casarão, até porque a
casa da idosa é que seria mais atingida. Mas depois que ela morreu, o
pessoal trancou o imóvel e só eu que posso ser o maior prejudicado em
caso de um desmoronamento”, concluiu.
História
Cachoeira
mantém destaque histórico e cultural no Recôncavo Baiano como
reconhecimento à importância do município nas batalhas travadas pela
conquista da independência do Brasil, que tiveram início no dia 25 de
junho de 1822. Foi em Cachoeira que se iniciou o movimento que culminou
da proclamação de Dom Pedro I como imperador.
Baianos
de várias partes do estado se dirigiram até Cachoeira e se apresentaram
como voluntários no Exército, que chegou a reunir 13 mil combatentes,
entre os quais a famosa Maria Quitéria. De lá, as tropas marcharam para
fazer o cerco a Salvador, que também teve dias de guerra pela
independência, especialmente na região de Pirajá. Os combates acabaram
no dia 2 de julho de 1823, quando os brasileiros conseguiram abater as
tropas portuguesas.
A Heróica, assim
denominada pela lei nº 43, de 13 de Março de 1837, em virtude dos seus
feitos, foi a Sede do Governo Provisório do Brasil durante a guerra da
Independência em 1822 e, novamente, em 1837, quando ocorreu o levante da
Sabinada na Bahia. Por conta disso, anualmente, nos dias 2 de julho, a
sede do governo do estado da Bahia é transferida simbolicamente para
Cachoeira.
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